domingo, 1 de dezembro de 2019


TRIBUTO AOS VENCIDOS NÚNERO 3 – YURI!

https://www.youtube.com/watch?v=9yKKsEPxEw0


No dia 25 de julho de 2019, ainda em vida, o jovem Yuri B de Oliveira postou em seu Facebook alguns versos de uma canção do inesquecível cantor e compositor brasileiro, Taiguara. Podemos ler na rede social desse menino que, a pouco nos deixou em prantos: "🎶 E que as crianças cantem livres sobre os muros, e ensinem sonho ao que não pode amar sem dor, e que o passado abra os presentes pro futuro, que não dormiu e preparou o amanhecer...🎶"
Nesse dia 25 de julho, Yuri refletia sobre um dos mais profundos versos do já falecido cantor e poeta. Radicado no Brasil, nascido em Montevidéu, no Uruguai, Taiguara é considerado um gênio da música da época da ditadura militar. Viveu o cantor, intensamente os porões da ditadura, é sem dúvida, disparado, na minha opinião, o maior e melhor compositor brasileiro, não ficando atrás, nem de Chico Buarque ou de Gilberto Gil, seja no quesito letra ou harmonia, um letrista inimaginável, um instrumentista fantástico. Sem dúvida, Taiguara revelou em suas letras e canções, nossas feridas históricas e nossas cicatrizes culturais. Na introdução da música, Taiguara expõe sua situação musical perante a censura da época. E, o menino Yuri parecia entender muito bem o que ali se passava.
“Dona Marina, isso é uma aliteração, a senhora sabe que é uma aliteração!” Afirmava o músico à sua parceira de composição forçadamente imposta pela ditadura, e, logo, detalhadamente, explicou em versos cantando: "Você paga o pão, o pó, a pedra, a pólis e a poluição." Toda essa circunstância vivida pelo cantor, certamente, o jovem Yuri, em certo sentido, talvez, nesse dia percebera a clareza e a beleza dos versos, mais que isso, tenho quase certeza, “ele soube perceber, aquela estranha força que apropria, explora e mata a beleza da vida.
Se acessarmos sua rede social, é possível compreender um pouco sua trajetória de vida, seu estilo de pensamento, “seu modo simples de ser”, mas, também, é perceptível, sua profunda insatisfação com a crueldade do sistema social. É possível perceber sua alegria de viver, mas, também sua luta incansável para permanecer enraizado nesse solo de ninguém. É possível perceber sua profunda angustia, sofrimento e aflição, nessa intensa, esmagadora e infinita dor, revelada finalmente, em sua última postagem.
Carrascos Yuri, Carrascos! Conheço este tipo de longe, desde pequeno aprendi e percebi rapidamente suas artimanhas. Algozes sempre estão e estarão à espreita!
Em 1963, Aldo Huxley escreveu: “Sabemos a espécie de sociedade de que gostaríamos de ser membros e que tipo de homens e mulheres gostaríamos de ser., no entanto, quando se trata de decidir como atingir o nosso alvo, a babel de opiniões conflitantes desencadeia-se. Quot homines, tot sententiae. No que se refere aos últimos fins, a afirmação é falsa; com referência aos meios, é praticamente uma verdade. Cada um de nós tem o seu próprio remédio patenteado, garantindo a cura de todos os males da humanidade, e, tão apaixonada, em muitos casos, é a crença na eficácia da panaceia que os homens estão preparados para sua causa, matar e serem mortos.”
Sua partida Yuri, e a de tantos outros/as como você, é um convite definitivo para aprendermos o amor. Amar não significa passar a mão na cabeça de ninguém! Amar é envolver profundamente com vida do outro em sua alteridade. Amar é saber entender o existencial do outro, o rosto do outro. A postagem de Yuri, em definitivo, é um convite para aprender o amor, a bondade, a afeição, o afeto, a afabilidade, a inclusão, a benevolência, a amizade, a compaixão, a clemência, a benignidade, a partilha, a compreensão, a dedicação e a fraternidade entre nós! Aqui sim, temos, de fato, uma tarefa árdua, diferentemente dos textos que escrevemos. Costumo ler isso na introdução de muitos textos: “Esse trabalho é uma tarefa árdua” ; “pesquisar esse objeto é uma tarefa árdua”; mentira, enganação pura! A quem queremos enganar ou convencer? O desafio de aprender a amar sim, verdadeiramente é uma tarefa árdua e intensa. Uma coisa me incomoda profundamente nessa vida, é que, “sabemos tão facilmente aprender todo tipo de insignificância e banalidades, sabemos perfeitamente praticar o ódio! Entretanto, o amor fica sempre distante. Uma cultura de morte há muito se instalou entre nós! Se é verdade que, é impossível pisar nos freios como escreveu, o brilhante, Yuval Noah Harari, em seu livro Sapiens, pelo menos, eu afirmo: é possível cultivar um pouco de amor, um pouco de bondade, um pouco de afeição, um pouco de cuidado e afeto com o outro. E, aqui, não me refiro tão-somente ao papel que tem assumido a ciência ou as instituições de ensino, mas, toda e qualquer instituição social: as religiosas, políticas, jurídicas, econômicas, mercadológicas, dentre outras. Do ponto de vista do ensino, “que saibamos amar e compreender o/a estudante, em sua amplitude e totalidade existencial. Não importa se é jovem ou criança, se é azul ou preto, se é branco ou amarelo, azul ou verde. Amar é sobretudo, querer bem ao outro, só isso! Pelo menos um pouquinho, isso faz um bem danado!
Erik Hobsbawm, em 1991 já nos alertava, “Se a humanidade quer ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa base vamos fracassar, ou seja, a alternativa para uma mudança da sociedade é a escuridão.”
Diferentemente, Yuri não fez aliteração tal qual Taiguara tão bem sabia fazer! Ele expressou de forma clara, límpida, nítida, precisa, sem rodeios, lúcida, Yuri soube escolher literalmente cada palavra, como um hábil poeta e escritor, revelou-nos sua dor e a de tantas e tantas outras pessoas que nos rodeiam todos os dias. Na sua cartinha de despedida e desespero, Yuri expressou sobre “a gravata que lhe sufocava”, aliás, poderia nem ser essa gravata. Ele retirou de seu coração, tudo aquilo que lhe importunava, extraiu de seu peito tudo aquilo que lhe magoava; retirou de seus ombros todo peso de uma vida, vida que o violentava! Vida, onde “o vento forte quebrava as telhas e as vidraças” de seu âmago. Assim, como Taiguara, em seus versos, Yuri, revelou sua realidade explorada por uma força estranha, que explora e mata. Cantou Taiguara: “Trago em meu corpo as marcas do meu tempo, meu desespero, a vida num momento, a fossa, a fome, a flor, o fim do mundo” ; “Trago no olhar imagens distorcidas, cores, viagens, mãos desconhecidas”; “ Hoje a minha pele já não tem cor, vivo a minha vida seja onde for. Hoje entrei na dança e não vou sair, vem, eu sou criança não sei fingir. Não, não foi egoísmo Yuri, não foi!
Repito, Yuri não fez nenhuma aliteração. Um engenheiro em potencial para por aqui, um poeta nato, para por aqui! Um jovem de vinte e poucos anos, se afasta de nós. Ele não foi o primeiro e nem será o último. Nessa minha trajetória docente tenho enxugado lágrimas e lágrimas de muitos estudantes, também, amparado mães e pais desesperados! Agora, entendo profundamente o elo que Yuri tinha com os versos do cantor Taiguara.
Mas, agora, amanheceu Yuri! Agora amanheceu Yuri!
🎶E que as crianças cantem livres sobre os muros, e ensinem sonho ao que não pode amara sem dor, e que o passado abra os presentes pro futuro, que não dormiu e preparou o amanhecer...🎶 Sim Yuri, agora amanheceu!
Carrascos Yuri, torturadores! Conheço a quilômetros de distância esse tipo, escuto de longe o ruído de suas correntes todos os dias. Desde muito jovem aprendi a desvendar sua linguagem refinada e erudita, ao mesmo tempo, aprendi a desvelar também suas intenções e ações enraivecidas e traduzidas em ódio. Algozes sempre estão e estarão à espreita! Tratando-se de Friedrich Nietzsche, Deleuze, traduziu um pouco de seu projeto: “Não encontraremos nunca o sentido de qualquer coisa, se não conhecermos qual é a força que se apropria da coisa, que a explora, que se apropria ou nela exprime”, Portanto, o projeto de Friedrich Nietzsche revela que “qualquer força é apropriação, dominação, exploração de uma quantidade de realidade."
Numa postagem do mês de janeiro de 2018, Yuri curtiu uma página intitulada “Graduação da Depressão”, com os seguintes escritos: “Antes que sua nota saia, eu quero que você lembre disso, você vale muito mais do que a nota em uma prova!”. Logo abaixo dessa página, uma foto do caderno de exame do Enem, nesse, bem no centro, com canetão preto, podemos ler a seguinte frase:
"VOCÊ VALE MAIS QUE ESSA NOTA!"
Aqui, nessa afirmação não estaria escondida essa força que domina, explora e arruína o verdadeiro sentido de uma instituição de ensino? Aliás, de qualquer instituição. Nós, homens e mulheres somos geneticamente dependentes dessa força estranha e exploradora. Em sem livro Sapiens, Yuval Noah Harari entende que, podemos até, por um breve instante estimular nossa bioquímica, “mas logo voltamos ao ponto inicial.” Aqui, ninguém salva meu caro, aqui ninguém escapa doutora! Exatamente por isso, foi dito por um sábio: “E, que ninguém se atreva a julgar o outro.” Sim, não devemos a ninguém julgar, isso não compete a nenhum homem ou mulher. Esfregar na cara uma idiotice é também amar em profundidade! Mas, que isso, não seja "a nossa justificativa" para estilhaçar vidros na existência individual do outro! Uma coisa é uma, outra coisa é outra. Sempre repito, fazer filosofia é saber distinguir o porco do leitão!
Numa perspectiva da suposta educação que propõe o suposto ministério dessa, em certo sentido, esse, arruína o sentido da educação e da escola, uma vez que, o suposto ministério não faz distinção entre esses termos. De fato, os grandes problemas humanos ou, “os problemas filosóficos surgem quando a linguagem sai de férias; as confusões de que nos ocupamos surgem quando a linguagem é como um motor funcionando à toa, e não quando está fazendo seu trabalho”, afirma o filósofo, Ludwig Wittgenstein. Perdido em sua finalidade, o Ministério da Educação é simplesmente um ministério das escolas, se pensarmos com fundamento linguístico, é um ministério das coisas da escola, ele, tão-somente cuida, "apenas das coisas da escola" e, não cuida daqueles/as que ali trabalham, docentes e servidores, esse suposto ministério não tem devido cuidado com aqueles que por ali se formam ou, pelo menos, lutam para tal. Pensou e escreveu Coêlho, “Escrevemos e falamos educação, mas lemos e entendemos escola.” Reduzida a educação a escola, as duas perdem sua natureza e seu sentido. Reduzida a coisa, ou, a um objeto a ser transmitido e socializado, a escola navega e afunda feito o Titanic. Obviamente, reduzida a coisa, deixa de ser processo de vida, logo, não emana alegria, ao contrário, avança em tédio e cansaço! Logo, a escola perde o que de mais nobre possui: “o saber”! Instrumentalizado, esse é encadernado e trancafiado num modelo e num esquema vazio. O “saber” ou, o “conhecimento” que por ali circula é morto, é aprisionado, é encarcerado, logo, não é vivo, não é borbulhante, não faz quem ali está, perceber o sentido da vida, da cultura, da beleza e da alegria de ser gente, mais que isso, não revela verdadeiramente o sentido do estudar e do ensinar. O saber é trancafiado em gavetas e distribuido socialmente. Instrumentalizado em um sistema de algoritmo. Sem dúvida, a escola é um espaço fragmentado, arrebentado, estilhaçado e fundamentalmente instrumentalizado, logo, o saber perde sua conotação científica, cultural, educativa, poética, dinâmica, artística em detrimento da maioria das pessoas que ali passam. O saber que ali circula, sendo morto, ao mesmo tempo, é socializado, com efeito, perde-se o pessoal, perde o coletivo, perde todo o mundo. Como um Titanic, a escola afunda sem perceber, seu sentido social se mistura com a banalidade, sua natureza e sentido ficam reduzidos ao mundo e a esfera do mercado. Só isso! A nobreza do ensinar e aprender foi destituída de seu trono. Nossos problemas de escola não estão, tão-somente, “na falta de dinheiro que é fatal”, nem, necessariamente, "no despreparo de muitos docentes, ao contrário, nossos problemas são problemas fundamentais de cultura, isto é, de formação cultural," explica Coêlho. São problemas, sem dúvida, de entendimento histórico, cultural e político de primeira grandeza. Nossas políticas públicas e educacionais não são educativas! Não leva ninguem a parte alguma. A clássica mão invisível de Adam Smith, nesse nosso tempo sem tempo, nunca foi tão incompreendida. Que pena!
Trazer aqui essa questão, é sem dúvida, trazer de volta o "Yuri e os seus", é de fato, não o esquecer. Esse não foi o seu último pedido em sua última postagem? Eis aqui, “um tributo a ele.”
Portanto, pensar o significado do sentido amplo da educação, bem como, investigar o sentido da dimensão educativa da escola e do trabalho que essa realiza, podemos perguntar: o que tem prevalecido como meta e prioridade na sociedade contemporânea? O sentido de educação é entendido como paideia, como cultura, como civilização, como formação viva e borbulhante do homem? Privilegia de fato a formação integral do homem e da mulher? O que se privilegia não é a escola entendida como lócus de criação e invenção de ciência, de cultura de humanidades, de artes, de letras, de dança, de música, do teatro, mas sim, lócus de plágio, de cópia e repetição, de violência, de chateação, de indisciplina, de domínio, de intrigas políticas, de sacanagem! Portanto, é muito mais lócus de desequilíbrio formativo, do que propriamente, espaço de conhecimento, de formação verdadeira e de saber. O que tem prevalecido não é a educação em seu sentido amplo. A técnica - o know-how, a ciência, o poder do mercado e das grandes empresas reduziram o sentido da educação à escola e essa à coisa. A educação em seu sentido pobre e rasteiro é socializada e transmitida, ao mesmo tempo, reduzida ao mundo produtivo: o ensino, a pesquisa, e a extensão são realidades que, além de fragmentadas, estão reduzidas também ao plano do comércio e das grandes empresas. A educação, em seu sentido pobre e rasteiro é socializada e enraizada ao mundo das estatística, dos números, das notas, do desempenho dos cursinhos, do resultado final do provão, dos antigos vestibulares, portanto, do Enem, (Exame Nacional do Ensino Médio) – do provão – Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), isto é, do treinamento, do pontual, do efêmero, da eficiencia, da eficácia, da técnica e do consumo. Nada mais além do que essa pobreza! A própria dimensão educativa da escola, sobretudo, do ensino superior, se vincula ao mercado isso é fato. O ensino, a pesquisa e a extensão se confundem ao plano do mundo dos negócios. Essa é a realidade, e daí? Nós necessitamos aprender muito, ou seja, é preciso aprender a saber fechar a boca na hora certa! “ Muito mais que fechar a boca, precisamos voltar ao estudo! Sem dúvida, é preciso aprender novamente o que um dia aprendemos, o saber muda constantemente, ele não é pronto nem acabado, o conhecimento, é como uma no mar, ao tentar surfar, a onda já passou. O saber é dinâmico.
Precisamos todos nós,” assim como um vigia, “ficar mais atentos”, “sensíveis”, “e dar a mão, o abraço, o apoio, a palavra certa na hora certa. E como amigos/as e companheiros/as, colegas, docentes, agirmos sempre na busca do bem, da felicidade do outro.” (Coêlho)
Termino aqui esse simples tributo ao menino Yuri, implorando ao universo e ao deus escondido que, nos inspire: um espírito inteligente, santo, único, múltiplo, sutil , móvel, penetrante, puro, claro, inofensivo inclinado ao bem agudo, livre, benéfico, benévolo, estável, seguro, livre de inquietação.